Retratos do fim da Monarquia
O último momento da monarquia portuguesa: da Ericeira para o exílio
Durante a revolução republicana, no início de Outubro de 1910, os tiros de canhão atingem o Paço das Necessidades, quase atingindo os aposentos do rei D. Manuel II. A Família Real não pode deixar de recordar o momento do regicídio e tudo faz para, imediatamente, se colocar a salvo. Estão praticamente entregues a si próprios, contando apenas com a ajuda de algumas pessoas mais chegadas, amigos sobretudo.A revolução republicana começara, na prática, no dia três de Outubro. Durante dois dias instala-se a confusão nos círculos políticos e militares, não se percebendo que rumo estava a tomar a revolução. Na verdade, os republicanos não tinham a certeza de estar a conseguir uma vitória o que leva, por exemplo, o Almirante Cândido dos Reis ao suicídio e ao espanto dos revolucionários pela facilidade da implantação da República.Por seu lado o governo monárquico aconselha o próprio rei a fugir para se salvar.Assim, D. Maria Pia e D. Amélia seguiram directamente de Sintra para Mafra e D. Manuel II, ao fim da tarde do dia 4 de Outubro, viaja de automóvel para Mafra, para se encontrar com o marquês do Faial e com o conde de Sabugosa. Por essa altura, o infante D. Afonso já saíra de Cascais a bordo do iate real “Amélia”, em direcção à Ericeira.A Família Real reúne-se em Mafra, onde pernoita no Palácio da localidade, aguardando com esperança, a evolução dos acontecimentos. Sinónimo da fuga apressada é o facto de alguns membros da nobreza lhes terem de fornecer algum vestuário necessário, por exemplo para dormir.Com o hastear da bandeira republicana em Mafra, a Família Real compreende que a monarquia chegou ao fim. Seguem para a Ericeira para alcançar o iate real “Amélia”, que os espera ao largo. Viajam em caravana automóvel, com um grupo de fiéis servidores, escoltados por um pequeno corpo de cavalaria. Reduzem a sua bagagem ao mínimo indispensável, sobretudo bens pessoais, o que invalida a acusação da época de que o monarca terá levado as riquezas da Casa Real consigo. Entretanto, vão chegando à Ericeira alguns membros da nobreza que, deste modo, querem demonstrar a sua lealdade para com o rei deposto.Um estranho cortejo, composto por uma vintena de pessoas, atravessa o areal da Ericeira, em direcção aos barcos dos pescadores que concordam em transportá-los para o navio real, sob o olhar e silêncio de dezenas de populares curiosos que observam do alto da povoação. No momento da despedida registam-se cenas de emoção e mágoa, por parte de alguns serviçais que ficarão em Portugal, mantendo-se, no entanto sempre uma atitude de dignidade por parte dos monarcas. Neste momento, a primeira intenção era rumar à cidade do Porto e daí organizar a contra-revolução ou directamente para Londres mas prevalece a decisão de rumar a Gibraltar, onde chegam a 7 de Outubro, destino mais consentâneo com a capacidade de velejar do navio e onde podem contar com a protecção dos aliados ingleses.Na Família Real seguiam a Rainha D. Maria Pia, viúva de D. Luís, avó do rei D. Manuel II, que, juntamente com o Príncipe Herdeiro D. Afonso, seguiria para a Itália. Passados alguns meses faleceu, pedindo que, na hora da morte, a virassem para o lado de Portugal.Em Gibraltar, D. Manuel II e a restante família foram bem recebidos e tratados com o respeito devido a um monarca. Na época, a Inglaterra tinha Jorge V, como rei. Este apressou-se a enviar o iate “Victoria and Albert”, escoltado por vasos de guerra, a Gibraltar para transportar o rei D. Manuel II, sua mãe, D. Amélia e seu tio D. Afonso, para Inglaterra, o que ocorre a 16 de Outubro. Na partida, em Gibraltar, tiveram direito a honras reais, na presença das autoridades, com direito a cerimónias que incluíram o hino nacional. Acompanharam-nos, no exílio, os condes de Sabugosa e Figueiró.Na chegada, em Plymouth, foram recebidos pelo conde de Howe, representante do rei inglês, de modo amigável, passando a habitar numa terra amiga.Era a última viagem de D. Manuel II como rei de Portugal. Era o exílio de alguém que, de facto, deixara de ser rei duas semanas antes.Como curiosidade e de acordo com alguns investigadores, refira-se que, no momento do embarque do areal da Ericeira terá chegado um automóvel, vindo de Mafra, com alguns revolucionários armados de pistolas, carabinas e bombas para assassinar a Família Real. Mas os seus membros já se encontravam no mar, inalcançáveis.
Foi na Praia dos Pescadores, na Ericeira, que a Família Real embarcou para o exílio na BarcaBomfim que os transportou ao iate D. Amélia que os aguardava Eis aqui, alguns pormenores do que se passou naquele dia na Ericeira, relatados por Júlio Ivo, presidente da Câmara Municipal de Mafra no tempo de Sidónio Pais:
“(…) os automóveis pararam e apeou-se a Família Real, seguindo da rua do Norte para a rua de Baixo, pela estreita travessa que liga as duas ruas, em frente quase da travessa da Estrela (…) Ao entrar na rua de Baixo, a Família Real ia na seguinte ordem: na frente El-Rei Dom Manuel; a seguir, Dona Maria Pia, depois, Dona Amélia (…) El-Rei e quem os acompanhava subiram para a barca, valendo-se de caixotes e cestos de peixe (…) O sinaleiro fez sinal com o chapéu, e a primeira barca, Bomfim, levando a bandeira azul e branca na popa, entrou na água e seguiu a remos, conduzindo El-Rei (…) A afluência nas ribas era imensa. Tudo silencioso, mas de muitos olhos corriam lágrimas (…) El-Rei ia muito pálido, Dona Amélia com ânimo, Dona Maria Pia, acabrunhada (…)
Ainda as barcas não tinham atracado ao iate, apareceu na vila, vindo do lado de Sintra, um automóvel com revolucionários civis, armados de carabinas e munidos de bombas, que disseram ser para atirar para a praia se tivessem chegado a tempo do embarque(…)”
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